Distrito Federal prorroga o prazo para implementação de programas de Compliance no GDF, mas não flexibiliza as multas administrativas

4 de junho de 2019

Distrito Federal prorroga o prazo para implementação de programas de Compliance no GDF, mas não flexibiliza as multas administrativas

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Não é novidade que cada vez mais Estados e Municípios têm exigido a implementação de Programas de Integridade e Compliance de seus fornecedores e prestadores de serviços. Assim, a agenda anticorrupção, inserida em um contexto de incentivo à integridade, à moralidade e à probidade, acompanhada de uma indissociável mudança cultural, que antes se tratava apenas de uma boa prática recomendada, está se transformando em efetiva obrigação às empresas privadas que contratam com o Poder Público.

O Distrito Federal – DF foi o segundo ente da federação a exigir a implementação de Programas de Integridade e Compliance nas empresas que contratam com o Poder Público Distrital, nos termos da Lei Distrital nº 6.112/2018, e recentemente aprovou importantes mudanças na referida legislação, disciplinando novo alcance à norma, alterando a data inicial à sua efetiva aplicação aos fornecedores e prestadores de serviços que contratam com o DF em todos os seus níveis de poder, bem como retirando da seara dos gestores e fiscais do contrato a fiscalização da implementação dos Programas de Integridade, deixando a cargo de regulamento da lei a sua estipulação.

Nesse sentido, a obrigatoriedade da implementação de Programas de Integridade teve seu escopo reduzido a todas as pessoas jurídicas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública direta ou indireta do Distrito Federal para contratos com valor global igual ou superior a R$ 5 milhões. Como se pode notar, não há mais o limite mínimo de prazo contratual de 180 (cento e oitenta) dias, existência aplicação do limite da modalidade de Tomada de Preços ao valor contratual, tampouco aplicabilidade aos contratos antigos, conforme previa a redação anterior, de modo que o único parâmetro de alcance é o valor do novo contrato, que deve ser igual ou superior R$ 5 milhões.[1]

A data para implementação do Programa de Integridade também foi alterada, pelo que a exigência será aplicável apenas à celebração de contratos ocorridas a partir do dia 1º de janeiro de 2020. Importante registrar que, inicialmente, o artigo 5º da Lei 6.112/2018 previa que as empresas que relacionassem com o GDF teriam o prazo de 180 (cento e oitenta) dias corridos para implementar seus respectivos Programas de Integridade, contados a partir da celebração do contrato.[2] Contudo, referido artigo sofreu alteração em setembro de 2018, de modo que o prazo para implementação do Programa de Integridade às contratadas passou a ser a data de 1º de junho de 2019.[3] Três dias antes de chegar o prazo certo e determinado, em 28 de maio de 2019 o PL nº 435/2019 foi aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, alterando-se o prazo da exigência para o 1º dia do ano de 2020.

Ambas as alterações – redução do parâmetro de alcance da norma e extensão do prazo para exigência – foram fundamentadas na justificativa apresentada ao Projeto de Lei 435/2019,[4] que destacou, dentre outras razões, que os valores fixados no art. 1º da Lei n. 6.112, de 2018 não encontram paralelo em nenhuma norma semelhante no âmbito dos Estados e Municípios no Brasil, sendo o limite anteriormente estipulado – modalidade da Tomada de Preços – excessivamente baixo, o que obrigaria de forma desarrazoada “que microempresas e empresas de pequeno porte adotassem um mecanismo de controle interno consideravelmente sofisticado e muito oneroso.” Diversos pleitos do setor empresarial foram apresentados no sentido de revisar o diploma em análise, pelo que entidades como a Federação das Indústrias do Distrito Federal (FIBRA), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEABRA-BA) e a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (FECOMÉRCIO-DF) apresentaram pedidos de providências governamentais em reuniões do Conselho de Transparência e Controle Social, mantido organicamente pela Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF).

Após análises dos pleitos, a CGDF concluiu pela “manutenção da obrigatoriedade de implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Distrito Federal”, considerando esta se tratar de um “avanço considerável no aprimoramento das relações entre o Poder Público e a iniciativa privada.” Entretanto, optou-se por realizar algumas alterações consideráveis no diploma normativo. Isso porque, no que diz respeito à alteração do valor dos contratos atingidos, afirmou-se que, segundo o Portal Transparência do Distrito Federal, ainda que apenas 114 dos 1.835 contratos iniciados em 2018 tenham apresentado valor global superior a 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), os mesmos correspondem a cerca de 77,7% do valor total contratado no ano. Já em relação a ampliação do prazo, não há nenhuma menção expressa na justificativa ante a sua necessidade, mas certamente é resultado da ausência de amplo conhecimento dos parâmetros de um Programa de Integridade efetivo, tanto do Poder Público, quanto das empresas privadas, tratando-se de exigência recente, mas que vem ganhando forças no ordenamento pátrio.

Nesse diapasão, se por um lado andou bem o Projeto de Lei nº 435/2019 ao ampliar o prazo à exigência da implementação de Programas de Integridade, o mesmo não se pode dizer em relação à redução dos parâmetros de alcance da norma. Isso porque, no que diz respeito ao prazo, se anteriormente defendemos que a alteração realizada em setembro de 2018 não havia suprimido “o problema do prazo exíguo à implementação desses programas”,[5] a nova alteração supre, eis que desde a publicação da Lei Distrital nº 6.112/18 em 02 de fevereiro de 2018 até a exigência efetiva dos programas em 1º de janeiro de 2020, já terão se passado quase dois anos, de modo que os fornecedores e prestadores de serviços do Distrito Federal e o próprio Poder Público terão conhecimentos aprofundados sobre a estrutura e os parâmetros de avaliação de um Programa de Integridade, não havendo que se falar em novas prorrogações, sob pena de afastar o próprio reconhecimento de que os Programas de Integridade representam verdadeiro avanço no aprimoramento das relações entre Público e Privados.

Ocorre, ainda que questão do conhecimento inequívoco da importância de Programas de Compliance tenha sido superada, outro problema surgiu da alteração. Conforme visto, a nova regra do artigo 5º não disciplina mais um prazo para a implementação após a contratação, mas sim que a implementação se dará a partir da celebração de contratos ocorridas após o dia 1º de janeiro de 2020. Em outras palavras, a existência de Programas de Compliance poderá ser interpretada como um critério à participação em certames públicos. Assim, considerando que o artigo 14 da Lei 6.112/2018 também foi alterado, no sentido de estipular a necessidade de regulamentação da Lei em referência, importante que o regulamento deixe claro como se dará a implementação, bem como a fiscalização da mesma, de modo a assegurar os prazos e critérios mínimos a serem atendidos.

Em relação à fiscalização especificamente, andou bem o Distrito Federal ao revogar o artigo 13 que atribuía a competência de fiscalização ao gestor do contrato, atribuindo a mesma a órgão específico que será definido em regulamento próprio da Lei. Conforme criticado em outra oportunidade, o gestor do contrato já possui inúmeras responsabilidades, além de não possuir expertise necessária à avaliação de Programas de Integridade, por isso a importância de órgão específico para esta avaliação.

Naquilo que diz respeito ao alcance da norma, ainda que os números apresentados nas justificativas sejam de fato expressivos, isto é, dos 1.835 contratos celebrados desde o início de 2018, apenas 114 correspondem a quase 80% do valor total contratado no ano, não se pode esquecer que outros 1.691 contratos foram celebrados, muitos deles também em valores expressivos, isto é, acima de R$ 1 milhão.[6] Além disso, não se pode olvidar que a própria Lei Distrital nº 6.112/18 faz diferenciação no tocante à aplicação dos parâmetros de avaliação de efetividade dos Programas de Integridade para as pequenas empresas – MPEs. Importante registrar que o artigo 6º da Lei Distrital, notadamente no inciso VIII do §1º e no §2º, disciplina expressamente tratamento diferenciado às Microempresas (ME) e às Empresas de Pequeno Porte (EPP), as quais não precisam demonstrar uma série de critérios exigidos de outras empresas,[7] pelo que não há que se falar em exigências desarrazoadas já que são exigidos critérios mínimos relacionados a um padrão ético que qualquer empresa deve possuir para se relacionar com a Administração Pública. Não fosse isso bastante, da análise dos parâmetros de alcance das normas dos Estado do Rio de Janeiro,[8] do Rio Grande do Sul[9] e do Amazonas,[10] percebe-se que os valores tomados por base nesses diplomas são bem abaixo de 5 (cinco) milhões de reais, o que faz com que, a bem da verdade, a Lei do Distrito Federal passe a destoar das demais legislações pátrias sobre o tema e não se aproximar das mesmas, como indicado na justificativa do PL nº 435/2019. Assim, a Lei Distrital nº 6.112/18, agora, nos parece muito restritiva no que tange ao seu alcance.

Ainda que discordemos de parte das alterações propostas e aprovadas pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, a verdade é que há um movimento de que os próximos meses serão destinados à construção de ambiente capaz de exigir e avaliar a implementação de Programas de Integridade e Compliance no âmbito de todos os poderes do Distrito Federal, razão pela qual não se alterou o critério de imposição de multa quando do descumprimento da exigência.  Assim, é necessário atenção das empresas que contratam com aquele ente federal, eis que a sua não adequação até o dia 1º de janeiro de 2020 implicará multa contratual, e mais do que isso, poderá afastar as mesmas de certames licitatórios cujos valores contratuais sejam de grande monta.

 

[1] PL nº 345/2019 que alterou a Lei Distrital nº 6.112/2018. Disponível em:  <http://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaProposicao-1!435!2019!visualizar.action>. Acesso em: 03 de jun 19.

[2] Art. 5º A implantação do Programa de Integridade no âmbito da pessoa jurídica se dá no prazo de 180 dias corridos, a partir da data de celebração do contrato ou da publicação desta Lei na hipótese do art. 2º, II.

[3] Art. 5º A implantação do Programa de Integridade no âmbito da pessoa jurídica se dá a partir de 1º de junho de 2019. (Redação do caput dada pela Lei Nº 6.176 de 16/07/2018).

[4] Justificativa do PL nº 345/2019. Disponível em: <http://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaProposicao-1!435!2019!visualizar.action>. Acesso em: 03 jun. 2019.

[5] Sobre o tema cf. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. Compliance nas Contratações Públicas: exigência e critérios normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 85-89.

[6] Só no ano de 2019, mais de 40 contratos foram celebrados com valores acima de 1 (um) milhão de reais e inferiores a 5 (cinco) milhões de reais, conforme Portal da Transparência do DF, o que demonstra que muitos contratos com valores relevantes passarão ao largo do importante avanço promovido nas relações público-privadas no que diz respeito à exigência de Programas de Integridade. Sobre os dados, cf. Portal da Transparência do Distrito Federal. Contratos 2019. Disponível em: <http://www.transparencia.df.gov.br/#/licitacoes-contratos/contratos>. Acesso em 03 jun. 2019.

[7] Lei Distrital nº 6.112 de 2 de fevereiro de 2018. Art. 6º (…) § 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, são considerados o porte e as especificidades da pessoa jurídica, tais como:

(…)

VIII – o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

§ 2º Na avaliação de microempresas e empresas de pequeno porte, são reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo especificamente os incisos III, IX, XIII e XIV do caput. Sobre o tema cf. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. Compliance nas Contratações Públicas: exigência e critérios normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 89-92.

[8] Contratos cujo valor seja igual ou superior ao limite da modalidade de Concorrência. Lei Estadual nº 7.753 de 17 de outubro de 2017. Art. 1º Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias. (grifou-se). Sobre o tema cf. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. Compliance nas Contratações Públicas: exigência e critérios normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 48.

[9] Contratos cujo valor seja igual ou superior ao limite da modalidade de Convite. Lei Estadual nº 15.228 de 25 de setembro de 2018. Art. 37. Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público – privada com a Administração Pública Estadual, cujos limites em valor sejam superiores a R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais) para obras e serviços de engenharia, e acima de R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico. Sobre o tema cf. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. Compliance nas Contratações Públicas: exigência e critérios normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 99.

[10] Contratos cujo valor seja superior ao limite da modalidade de Concorrência. Lei Estadual nº 4.730 de 27 de dezembro de 2018. Art. 1. Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, receberem concessão ou firmarem parceria público privada com a Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional do Estado do Amazonas, cujos valores sejam superiores ao limite da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais), para obras e serviços de engenharia, e R$1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais), para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.