Atualmente muito se alerta que o Compliance é o tema da “moda” e que a noção de “estar em conformidade” deve ser por todos uma pauta norteadora de suas ações e condutas. Com esse argumento, muitos também são os que versam que as regras de integridade e moralidade trazidas pela idéia de Compliance, como fruto dessa nova “moda” são passageiras e inefetivas, conduzindo este tema a mais uma das tantas inovações trazidas pelas legislações nos últimos anos como, por exemplo, o conceito de sustentabilidade, governança, dentre outras, que hoje são resumidas de maneira muito mais teóricas do que de aplicabilidade prática.
Compliance não é tema da “moda”, ao contrário: o Compliance faz parte da mais absoluta obviedade humana, qual seja, a racionalidade. Não podemos pretender um mundo melhor aos nossos filhos, netos e daí sucessivamente, com um agir evolutivamente egoísta e despreocupado com uma pauta ética e íntegra. Isso apenas aumentaria a imensa quantidade já existente dos desvios éticos diários cometidos pelo ser humano.
E não trato aqui de um mundo virtual, desapegado da realidade, ao revés, quando falo de um mundo melhor, estou a referir que as práticas de Compliance e Integridade conduzirão a uma real justiça (social, econômica, ambiental etc), a melhores condições de saúde, de mobilidade urbana, de provimento judicial, de relacionamento humano, ou seja, de tudo aquilo que pode ser balizado por um agir dentro de uma pauta (ainda que mínima) de racionalidade.
E é aqui, com maior ênfase, que entendo que o Compliance Público é fundamental às mudanças e a uma ratificação do conceito de perpetuidade da integridade como norte racional de qualquer Governo, para consolidação de uma cultura de Compliance.
Mas para que isso aconteça, e isso já dissemos em textos anteriores, o Programa de Integridade Público não pode ser amesquinhado, diminuído, resumido pela ideia de conformidade (isso é o básico em um país de normas positivadas como o nosso); para frear a esquizofrenia estatal é preciso ir além, traçar uma metodologia séria e objetiva de Mapeamento e Coleta de Dados, Análise de Maturidade da gestão, Gerenciamento de Riscos, Políticas e Procedimentos aderentes à realidade da Instituição, independência dos Canais de Ouvidoria, Treinamentos contínuos de todos os envolvidos, e principalmente, a efetivação do “Tone at the Top” (expressão em inglês que traz a noção de que o exemplo vem do topo).
Ora, já tratei por inúmeras vezes do tema da esquizofrenia estatal no Brasil, que pode ser resumida, neste breve texto, à existência dos históricos modelos de gestão pública patrimonialista, burocrática (estamento burocrático) e gerencial, que convivem e fazem parte, ainda nos dias atuais, da agenda de qualquer administrador público. O Estado é esquizofrênico porque não se tem uma pauta mínima de racionalidade a conduzir o “Tone at the Top” na Administração Pública, a direcionar as condutas do gestor, a frear seus interesses egoísticos e a limitar sua discricionariedade na linha tênue entre o agir ético e a imoralidade.
A alteração de cultura na Administração Pública só será efetivamente conduzida a caminhos que enalteçam o interesse público, quando as pautas de integridade estiverem bem definidas em um efetivo Compliance Público, conduzido não apenas pela lógica de legalidade estrita (que hoje permite um cem número de desmandos no país, tema de um próximo artigo), mas pelo postulado da legalidade substancial ou juridicidade, considerando os relevantes princípios da realidade e da moralidade, estampados respectivamente nos atigos 37 da CF e 22 da Lei 13.655/17 (LINDB).
Não há “moda” passageira, não há Compliance efêmero, quando o que se está em jogo é uma tentativa de alteração do histórico jeitinho brasileiro, de retirar do dia a dia da Administração a festejada frase do “sempre foi feito assim, e nunca houve problema”, de dotar o gestor de maior coragem decisória frente aos “supercontroles” que hoje assombram suas canetas, de trazer o mínimo de previsibilidade e prevenção para o agir estatal; em suma, não há “moda” passageira, quando o único remédio para a esquizofrenia estatal é o entendimento pelos gestores de que integridade vale à pena.