A aderência aos chamados meios alternativos para solução de controvérsias se mostra cada vez mais vantajosa à resolução de conflitos entre particulares e o Poder Público, especialmente no âmbito das contratações públicas.
E esse avanço decorre, principalmente, do impulso legal trazido com o advento da Lei de Arbitragem (Lei Nº 9.307/96), do Novo Código de Processo Civil (Lei Nº 13.105/2015), da Lei de Mediação (Lei Nº 13.140/2015) e das alterações à Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (promovidas pela Lei nº 13.655/2018), além de posicionamentos doutrinários e entendimentos jurisprudenciais que já se consolidaram nesse sentido. Estes, especialmente influenciados pelo fenômeno da abertura do Estado ao consenso, que cuida da “superação da atividade do controle-sanção, arraigada no positivismo proposto por Kelsen”, com o alcance do processo administrativo ao protagonismo, permitindo que os instrumentos consensuais de controle se beneficiem desta mudança, “sendo factível nos dias atuais substituir o controle-sanção pelo controle consenso; o controle-repressão, pelo controle-impulso.”1
Partindo dessa premissa de controle estatal dialógico, ganham força, portanto, os meios alternativos para resolução de conflitos, que prezam, sobretudo, pela busca de uma solução consensual, mais célere e eficiente, e que atenda ao interesse de ambas as partes.
Dessa forma, destaca-se o aumento da aplicabilidade da Mediação, da Arbitragem e da Autocomposição no âmbito das contratações públicas, mecanismos legitimados pelo ordenamento jurídico e rotineiramente utilizados para dirimir conflitos que envolvam os interesses do Poder Público. Tal evolução, inclusive, foi introduzida de forma expressa na Nova Lei de Licitações e Contratações Públicas (Lei nº 14.133/2021).
Assim, o novo marco legal das contratações públicas, além de prever a extinção dos contratos celebrados por intermédio dos meios consensuais ou de decisão arbitral, também dedicou um capítulo específico para tratar dos meios alternos de resolução de controvérsias (Capítulo XII), buscando, notadamente, a prevenção e a resolução administrativa de eventuais conflitos oriundos de contratos celebrados pelo Estado.
No que tange a previsão da extinção contratual, portanto, a Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 138, enumera três hipóteses aplicáveis: a) extinção unilateral; b) extinção consensual; e c) extinção por decisão arbitral.
In verbis:
Art. 138. A extinção do contrato poderá ser:
I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, exceto no caso de descumprimento decorrente de sua própria conduta;
II – consensual, por acordo entre as partes, por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração;
III – determinada por decisão arbitral, em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral, ou por decisão judicial.
Nota-se, portanto, a premissa trazida pelo legislador de busca pelo consenso entre as partes, atendendo a vontade de ambas, ao prever em dois, dos três incisos elencados, a possibilidade de extinção do contrato por meio de conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas ou decisão arbitral, incentivando a tomada de decisão consensual e, por conseguinte, evitando a exclusividade das decisões tomadas de forma unilateral pela Administração Pública. Assim, as decisões tendem as ser mais positivas e, consequentemente, espera-se o cumprimento voluntário de ambas as Partes.
Adiante, no Capítulo XII do dispositivo legal em comento, o legislador disciplinou nos artigos 151 e seguintes a utilização dos meios alternativos para solução de controvérsias que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, autorizando, inclusive, o aditamento de contratos para permitir a adoção de tais meios, senão, veja-se:
Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.
Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará o princípio da publicidade.
Art. 153. Os contratos poderão ser aditados para permitir a adoção dos meios alternativos de resolução de controvérsias.
Art. 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes.
Após a leitura dos dispositivos legais supramencionados, chama-se atenção à inclusão dos “comitês de resolução de disputas” na nova norma geral como um dos meios de solução alternativo de controvérsias, tendo aqueles, tradicionalmente, sido herdados do direito americano e conhecidos como “dispute boards”.
Assim, em que pese a norma não regulamente os chamados “dispute boards”, indicando como será a sua disciplina, aplicabilidade e vigência nos casos concretos, a experiência internacional e nacional o definem como um mecanismo de solução de controvérsias que busca resolver conflitos administrativamente, especialmente em relação aos contratos de longa duração e de maior complexidade. No caso em comento, especialmente para a solução de controvérsias relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.
Ainda, a prática demonstra que esses comitês podem ser compostos por um ou mais especialistas independentes, que serão responsáveis por acompanhar a execução do contrato de forma periódica. E, ao realizar esse acompanhamento periódico, portanto, o comitê proporciona um gerenciamento de riscos que mitiga e previne a evolução de divergências e conflitos entre as partes relacionadas.
Trata-se, assim, de um mecanismo de controle que envolve a presença de um terceiro à relação estabelecida entre as partes, e, em se tratando de contratações públicas, deve a escolha dos incumbidos para dirimir eventual conflito se dar em momento anterior à celebração do contrato, por meio de previsão no edital e no anexo referente à minuta do contrato.
Esse, senão, é considerado um dos grandes diferenciais dos Comitês de Resolução de Disputas, isto é, o momento em que ele é formado. Já que, como a indicação dos especialistas ocorre no início da relação contratual, ou seja, antes da ocorrência de qualquer conflito, quando aqueles forem requisitados à se manifestar, já terão acompanhado todo o processo de formação e execução do contrato, garantindo maior tecnicidade e celeridade às suas decisões ou orientações.
Além disso, importante também destacar que, considerando o princípio da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, presente no âmbito das contratações públicas, uma vez prevista a sua existência para resolução de controvérsias, a modalidade do Comitê de Resolução de Disputa também deve constar previamente da minuta contratual, especialmente em relação às regras que irão reger o procedimento a ser adotado.
Assim, são três as modalidades reconhecidas: o dispute review board (DRB), que faz apenas um aconselhamento às partes, indicando sugestões; o dispute adjucation board (DAB), em que o comitê desempenha função decisória, impondo as soluções às partes; e o combined dispute board (CDB), que pode tanto emitir recomendações não vinculantes quanto proferir decisões vinculantes.2
De acordo com dados da Dispute Resolution Board Foundation,3 a eficácia dos Comitês de Resolução de Disputa pode ser identificada em relação à solução e celeridade dos processos. Assim, os dados indicam que 99% dos conflitos que usam dispute boards são encerrados em menos de 90 dias, e que 98% das disputas são resolvidas pelo mecanismo.4
E, para além de sua eficácia comprovada mediante dados, os Comitês de Resolução de Disputa também são considerados um importante mecanismo de transparência às contratações públicas, já que analisam e documentam o comportamento das partes durante toda a execução do contrato, garantindo, por conseguinte, a sua execução adequada, bem como uma atuação colaborativa entre as partes.5 Pode-se dizer, nesses termos, que, por ser um mecanismo de transparência e colaboração, contribui, ademais, para a reputação das partes relacionadas, inclusive, conferindo-lhes vantagens econômicas, 6 seja em prol do interesse público, seja em prol do lucro.
Como se pode notar, são inúmeras as vantagens da utilização de tal mecanismo no âmbito das contratações públicas, vez que tendem a ser proferidas decisões mais céleres, especialmente no âmbito do reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, além disso, tratam-se de decisões mais técnicas, com maiores chances de aceitação e posterior cumprimento pelas partes. Diferente, portanto, de decisões unilaterais e impositivas.
Desse modo, conclui-se que o Ordenamento Jurídico brasileira, vêm evoluindo de forma constante no sentido de possibilitar e incentivar a adoção de meios extrajudiciais para a solução de conflitos que envolvam a Administração Pública, de modo a não deixar “de lado” nem o interesse Público, nem o interesse privado, prezando pela busca da forma de resolução que melhor atenda ambas às partes.