Introdução:
Por se tratar de uma ciência comportamental que visa buscar a integridade nas relações humanas, o compliance é uma matéria que sofre muitos reflexos, positivos e negativos, advindos da evolução do ser humano e da forma como este optou ou foi forçado a se relacionar em sociedade.
Obviamente o conhecimento técnico e atualizado acerca de aspectos legais e regulatórios são determinantes para a evolução profissional nesta matéria, mas este conhecimento precisa estar cada vez mais alinhado com as novas tendências que são resultado de uma nova realidade, onde o ser humano, por sua própria evolução ou para se adequar às forças que
fogem do seu controle, passou a se relacionar em sociedade de uma forma completamente diferente.
Temas como proteção de dados, aplicação de ferramentas tecnológicas em processos de investigações internas, os novos canais de relato, diversidade, inclusão, sustentabilidade, governança, inteligência artificial, novas técnicas para treinamento e capacitação, dentre tantos outros, têm feito parte das mesas de discussão e trabalho de várias equipes que atuam em busca da promoção dos benefícios da integridade para sua realidade, no Brasil e no mundo.
Neste breve texto vou rapidamente discorrer acerca de algumas dessas “novas tendências”, que em curto prazo passarão a ser a “nova realidade” de todos que trabalham com essa empolgante e complexa matéria.
Proteção de Dados, Privacidade e Autodeterminação Informativa:
A proteção de dados não é uma novidade na vida das empresas e dos profissionais que atuam em suas áreas de compliance, entretanto o advento da nova Lei Geral de Proteção de Dados trouxe à tona novas e importantes discussões acerca da segurança da informação e dos processos de proteção de dados, pois dispõe que o titular do dado tem o direito fundamental de saber como uma empresa trata seus dados.
A proteção de dados já é há muitos anos uma preocupação das empresas do mundo todo, entretanto essa proteção sempre esteve focada em garantir a integridade, a confidencialidade e a disponibilidade dos dados da corporação. Palavras como transparência, consentimento, regras de tratamento e direito à oposição nunca haviam feito parte do vocabulário dos
profissionais que atuavam efetivamente neste cenário. O que esta nova Lei fez foi dizer aos empresários que tratam dados pessoais que este espectro de proteção deveria se estender à proteção dos dados daqueles que confiaram o tratamento às empresas.
Essa nova exigência legal fez com que as empresas passassem a ter que “olhar para dentro” e enxergar a necessidade de aperfeiçoamento de aspectos jurídicos, procedimentais e de tecnologia da informação para garantir aos titulares de dados a tão justa autodeterminação informativa.
Se engana quem entende que o processo de adequação à LGPD e manutenção do programa de privacidade de dados se trata de matéria exclusiva de profissionais de tecnologia da informação ou de advogados , no sentido de que seria apenas mais uma Lei a qual a empresa precisa estar “compliant”. Esse processo, na verdade, é complexo e demanda a aplicação de ferramentas como a gestão permanente de riscos, implantação de controles internos e principalmente de um processo de aculturamento profundo e sistêmico acerca da importância do respeito à proteção de dados de terceiros. Sendo assim, aos novos e aos experientes profissionais que querem evoluir no mercado do compliance é essencial que busquem
entender que dados são ativos e precisam ser protegidos como qualquer outro ativo da companhia, e esta proteção se dá por meio de ferramentas e conceitos técnicos agregados ao entendimento de que, no final, são pessoas que operam dados e essas precisam de diretrizes, apoio e orientação.
Canais de relato e sua evolução como ferramenta de comunicação corporativa:
Os canais de relatos ou denúncias fazem parte dos programas de integridade desde que essa matéria existe. São eles os responsáveis pela vida do programa, pois trata-se de uma ferramenta de gestão da ética que permite a identificação ativa de riscos e oportunidades de melhoria, e a aplicação destes fez com que muitos programas passassem a fazer sentido ao
trazer para as empresas resultados e o esperado retorno sobre o investimento realizado em compliance.
Um dos grandes desafios para a concepção de um canal de denúncias eficiente sempre foi a forma de coletar as informações trazidas pelo denunciante que, usualmente coberto por emoção, não consegue reproduzir os acontecimentos de maneira objetiva, o que é essencial para um processo investigativo coerente e acurado. Desta forma, com a demanda de mercado aquecida, as empresas de canal de denúncia, dentre elas algumas das maiores empresas de auditoria do mundo, passaram a investir em estruturas gigantescas amparadas por diversos profissionais preparados e capacitados para atender uma ligação telefônica e extrair do relatante tudo aquilo que de fato ele gostaria de falar.
Entretanto, a nova geração de profissionais vive em uma nova realidade, uma realidade onde a comunicação não é mais um problema, pois ela acontece de forma rápida, imediata e protegida. Ferramentas de comunicação instantânea, hoje, fazem parte do dia a dia de todas as equipes de trabalho, consequentemente fazem parte da realidade de quase todos os
profissionais.
Essa nova realidade tem feito com que as empresas que oferecem esse tipo de serviço precisem cada vez mais buscar uma reinvenção. Enxugar custo e buscar tecnologias que permitam mais eficiência e redução do consumo de horas de trabalho desnecessárias tem feito todo diferencial competitivo neste mercado que hoje por meio de novas iniciativas, muitas vezes advindas de startups, tem viabilizado a implantação de canais de relato extremamente eficientes para empresas que nunca sonharam poder adequar uma solução como essa ao seu orçamento.
Inclusão, Diversidade e Justiça
Dentre todas as “novas” iniciativas do compliance, a chancela formal da bandeira da inclusão e da diversidade é uma forma inevitável de se fazer justiça. Nenhuma das novas frentes possui uma linha tão lógica de integridade quanto a defesa do respeito ao ser humano, à sua realidade, às suas necessidades, às suas escolhas e ao seu direito a ter oportunidades
independentemente daquilo que os antigos padrões pré-definiram como seu caminho em nossa sociedade.
Parece um conceito óbvio, mas cada vez mais as palavras do filósofo italiano Domenico Di Masi passam a fazer sentido ao afirmar que “estamos em tempo em que o óbvio precisa ser repensado” e sim, o respeito ao próximo é óbvio, mas não foi tratado como tal durante toda nossa existência enquanto sociedade e isso precisa sim ser ajustado e imediatamente reparado.
Sendo assim, qualquer inciativa que promova a possibilidade de garantir ao ser humano sua inclusão e que promova a diversidade nas relações humanas deve ser aplaudida. Todo Código de Conduta deve ter como cláusula pétrea um item que reforce a importância deste conceito e, consequentemente, os profissionais de compliance devem procurar cada vez mais se aperfeiçoar em técnicas e conceitos que permitam tirar essa discussão da teoria “politicamente correta” para a prática, que é onde verdadeiramente se fará a diferença.
ESG – Enviromental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança):
As novas gerações também chegaram ao mercado de investimentos e novos conceitos têm trazido novos requisitos de valoração de um negócio. A sustentabilidade social, ambiental e nas relações humanas tem sido cada vez mais valorizada no ambiente corporativo e conceitos já antigos, no entanto valorizados apenas de forma teórica, como a proteção ao meio
ambiente, a governança e o compromisso social, passaram a ser o novo frenesi do mundo corporativo.
Quem faz parte do universo do compliance não consegue passar mais de três publicações em suas redes sociais sem que uma ao menos verse sobre o tema. No entanto o que vemos são muitos textos bem estruturados, com belos propósitos, mas pouca abordagem que apoie a concretização do conceito dentro da realidade das empresas.
Toda moda traz preocupação, porque a moda passa enquanto a necessidade pela manutenção do meio ambiente, da sustentabilidade social e da aplicação da governança coerente em todas as camadas da sociedade vai permanecer sendo fundamental. Neste cenário, cabe ao profissional de compliance buscar não somente conhecer essa matéria e divulgar aquilo que pode lhe trazer mais “curtidas” em suas redes sociais, mas sim, buscar em seu trabalho entender como aplicar de forma prática e viável tais conceitos que têm ligação direta com a perenidade de nossa sociedade como conhecemos.
Tecnologia e as Investigações Corporativas
Tenho o privilégio de ter nas últimas duas décadas atuado ao lado dos maiores profissionais do Brasil em investigações corporativas nos mais diversos tipos de investigação. Desde investigações de assédio, fraudes corporativas, violações aos preceitos da lei, às normas internas da empresa, disputas concorrenciais, incidentes de vazamentos, dentre muitos
outros. A partir desta afirmação, posso concluir que a forma de investigar evoluiu muito nos últimos anos e tem uma tendência a ser completamente reinventada a curto prazo.
Essa reinvenção é absolutamente necessária, tendo em vista a forma como os processos empresariais e a relação humana se tornaram dependentes de sistemas de troca e gestão de informação.
A investigação é uma matéria técnica, que cada vez mais deverá ser amparada por metodologia e profissionais preparados. Ferramentas de coleta e análise forense computacional, big data analysis, legal review, análise integrada das informações armazenadas em dispositivos digitais, recuperação de arquivos deletados, identificação de criptografia, localização de palavras, reconhecimento óptico de caracteres, detecção de nudez (combate à pedofilia), cruzamento de informações e outras tantas farão parte do dia a dia do profissional de compliance que atua com investigações, e, portanto, estes devem estar atentos e antenados com este mercado que evolui diariamente e em uma velocidade impressionante.
O processo de aculturamento por meio da capacitação e treinamento:
Nossa sociedade está passando por um momento único, e nunca vivido com tanta intensidade, graças à velocidade do acesso à informação. A pandemia mundial do COVID-19 fez com que precisássemos nos adaptar para sobreviver. Com essa adaptação vieram aprendizados, e um dos maiores que podemos constatar é o de que nós podemos nos relacionar e aprender à distância, sem precisar estar presencialmente com quem está ensinando.
O mercado de comunicação por meio de vídeo, através de plataformas de contato ao vivo e streamings de vídeo passaram a fazer parte da vida de todos os seres humanos, independente de classe social, idade ou qualquer outra classificação que estabelecermos.
Aos profissionais que enxergam à frente se abriu um mar de oportunidades. Aos profissionais de compliance este mar possui um número infinito de oportunidades para aculturamento, que muitas vezes no ambiente presencial não existiam. Enxergar riscos como oportunidades deveria ser a característica de todo profissional comprometido e engajado com o propósito de buscar a melhoria contínua, e aos profissionais do compliance deveria ser requisito mínimo
para dizer que trabalha com a matéria.
Desta forma, os times de compliance do futuro precisarão buscar constantemente o conhecimento acerca de técnicas de capacitação e treinamento modernas que permitam que a cultura da integridade se utilize destes novos modais para cada vez mais fazer parte da vida e da realidade em nosso ambiente corporativo, consequentemente em nossa sociedade.
Conclusão:
Este texto tem como propósito trazer alguns temas para reflexão daqueles que procuram a excelência em sua atuação no mercado de compliance. É preciso entender que o compliance é uma matéria que, se olhada em sua gênese, tem como finalidade a transformação social por meio da valorização daquilo que de fato é importante para a vida em sociedade.
Nossa sociedade tem evoluído muito rápido, às vezes de uma forma tão veloz que faz com que as pessoas não se atentem que precisam também evoluir. O universo do compliance não está isento a essa realidade, bem como seus profissionais. Buscar evoluir, conhecer cada vez mais e se livrar de conceitos que não mais cabem à nossa realidade serão, de fato, os grandes diferenciais daqueles que querem ter destaque nesse mercado que não apenas está crescendo, mas está rapidamente evoluindo.