Compliance em empresas declaradas inidôneas: a exigência da portaria Nº 1.241/2020-CGU

16 de junho de 2020

Compliance em empresas declaradas inidôneas: a exigência da portaria Nº 1.241/2020-CGU

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No dia 09 de junho de 2020 foi publicada a Portaria nº 1.241/2020 pela Controladoria-Geral da União,[1] que regulamenta os requisitos e o procedimento de reabilitação de empresas declaradas inidôneas de que trata Lei Geral de Licitação e Contratos (Lei 8.666/1993).

Em seu artigo 87, inciso IV, a Lei Federal nº 8.666/1993 disciplina que, em razão da inexecução total ou parcial do contrato, há possibilidade de declarar inidônea a pessoa jurídica que tenha praticado ilícitos. Assim, o §3º do referido artigo destaca que a declaração de inidoneidade permanecerá enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação do fornecedor, que poderá ser requerida apenas após dois anos da aplicação da penalidade e mediante o ressarcimento integral dos prejuízos causados.

Diante disso, a Portaria nº 1.242/2020 estabeleceu critérios objetivos para que a pessoa física ou jurídica declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública por ato do Ministro de Estado da CGU possam requerer a sua reabilitação perante a mesma autoridade.

Assim, de acordo com o artigo 2º do referido normativo, são requisitos cumulativos para a concessão da reabilitação:

I – o transcurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública a contar da data de publicação do ato que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade;

II – o ressarcimento integral dos prejuízos causados pela pessoa física ou jurídica, quando apontados pela Administração Pública, em decorrência dos atos que justificaram a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade; e

III – a adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos determinantes da punição, o que inclui a implementação e a aplicação de programa de integridade, instituído de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo art. 42 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015.

A inovação relevante trazida pela Portaria, portanto, diz respeito à exigência de implementação e aplicação de Programa de Integridade pelo fornecedor declarado inidôneo. Da análise dessa inovação, percebe-se a intenção da Controladoria-Geral da União em influenciar a mudança de cultura da corrupção sistêmica nas contratações públicas mediante o incentivo à implementação de Programas de Integridade nas empresas licitantes. Assim, a partir de incentivos normativos, busca-se o reconhecimento do desenvolvimento dos Programas de Integridade por empresas que participam de certames públicos, garantindo-se, assim, a sua reabilitação.

Ocorre que, tal mudança, ocorrerá apenas se as licitantes de fato aderirem a essa nova cultura proposta, que deverá decorrer, essencialmente, por vontade própria das empresas – ainda que por influência do Estado -, mediante o comprometimento de sua alta administração. Do contrário, será apenas mais um cumprimento forçado de disciplinas legais, que, em que pese no curto prazo sejam efetivas, a longo prazo não mudarão a realidade que se pretende combater: prática de fraude e ilícitos nas licitações.

Assim, para além do disposto no inciso III, do artigo 2º, da Portaria 1.241/2020 de que os parâmetros para averiguação da efetividade do Programa de Integridade serão aqueles determinados no artigo 42, do Decreto Federal nº 8.420/2015, o §2º, do artigo 2º da Portaria 1.241/2020 também expressa que, para fins da comprovação da implementação e aplicação dos Programas de Integridade, serão adotadas as definições e metodologia constantes na Portaria nº 909/2015 da Controladoria-Geral da União,[2] que dispõe sobre o relatório de perfil e o relatório de conformidade da pessoa jurídica.

Em relação ao relatório de perfil, este deverá conter (i) a indicação dos setores do mercado em que a empresa atua; (ii) a apresentação da estrutura organizacional da empresa, descrevendo a hierarquia interna, o processo decisório e as principais competências de conselhos, diretorias, departamentos ou setores; (iii) informações com o quantitativo de empregados, funcionários e colaboradores; (iv) registros com especificações e contextos das interações estabelecidas com a administração pública nacional ou estrangeira, notadamente em relação às permissões de execução de suas atividades, aos contratos celebrados com o governo nos últimos três anos e à frequência da utilização de agentes intermediários nas interações com o poder público; (v) descrição das participações societárias que envolvam a pessoa jurídica na condição de controladora, controlada, coligada ou consorciada; e (vi) informações da qualificação da empresa como microempresa ou empresa de pequeno porte, se for o caso.

Já em relação ao relatório de conformidade, a empresa deverá (i) informar a estrutura do programa de integridade, notadamente em relação à quais dos parâmetros estabelecidos no art. 42 do Decreto no 8.420/2015 foram implementados,  como eles  foram implementados, indicando a importância da implementação de cada um deles frente às especificidades da pessoa jurídica, para a mitigação de risco de ocorrência de atos lesivos constantes na Lei anticorrupção; (ii) demonstrar o funcionamento do programa de integridade na rotina da pessoa jurídica, com histórico de dados, estatísticas e casos concretos; e (iii) demonstrar a atuação do programa de integridade na prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração.

Como se pode notar, o interessado, quando protocolar o pedido de reabilitação instruído com a documentação que comprove o preenchimento dos requisitos de que trata o art. 2º perante a Corregedoria-Geral da União – CGR, saberá efetivamente como ocorrerá a análise do seu programa de integridade implementado.

Importante registrar que a Portaria nº 1.241/2020 andou bem ao exigir a implementação de Programas de Integridade às empresas declaradas inidôneas, tendo feito, inclusive, de forma objetiva. Isso porque, os benefícios proporcionados pela implementação sob essa condição são inúmeros, abarcando resultados positivos tanto às empresas que os implementam, quanto à Administração Pública, como, por exemplo, a redução do custo social da corrupção e dos prejuízos reputacionais decorrentes, o aumento da confiança do mercado e melhora nas oportunidades negociais.[3] Além disso, Programas de Integridade auxiliam a proteção do Poder Público e das empresas privadas contra a reincidência da prática de atos lesivos que implicam prejuízos financeiros, como desvios de conduta ética e fraudes contratuais.[4] Assim, essa prevenção garantirá, portanto, uma execução contratual conforme e adequada à atividade contratada, reduzindo-se riscos e promovendo maior qualidade à execução, bem como segurança jurídica e transparência para ambas as partes.[5]

No âmbito reputacional, também a implementação desses programas é de suma importância, isso porque um Programa de Integridade, com mecanismos de mitigação de riscos e prevenção de atos lesivos, além de colocar a organização de forma íntegra e ética ao mercado, em muitos casos permitirá a retomada da atividade da empresa nas licitações com o público, funcionando como mecanismo de reabilitação, bem como mitigará eventuais penalidades futuras.

Como se pode notar, é intrínseca e interdependente a relação entre a implementação de Programas de Integridade e o aculturamento de licitantes e contratadas, de modo que a Portaria 1.241/2020 da Controladoria-Geral da União andou bem ao estabelecer compromissos futuros às empresas sancionadas como forma de adequação e permissão à habilitação.

 

[1] BRASIL. Controladoria-Geral da União. Portaria 1.241 de 09 de junho de 2020. Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.214-de-8-de-junho-de-2020-260787863>. Acesso em: 13 jun. 2020.

[2] BRASIL. Controladoria-Geral da União. Portaria 909 de 07 abr. 2015. Disponível em: <https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/34001/8/Portaria909_2015.PDF>. Acesso em: 13 jun. 2020.

[3] NÓBREGA, Marcos; ARAÚJO, Leonardo Barros C. de. Custos do não Compliance. In. CARVALHO, André castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otavio (Coord.). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 303-304.

[4] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. A exigência de programas de compliance nas relações contratuais com a administração pública: uma análise de constitucionalidade. Revista JML Licitações e Contratos, Curitiba, v. 13, n. 51, abr./jun. 2019, p. 28.

[5] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; ZILIOTTO, Mirela Miró. A exigência de programas de compliance nas relações contratuais com a administração pública: uma análise de constitucionalidade. Revista JML Licitações e Contratos, Curitiba, v. 13, n. 51, abr./jun. 2019, p. 28.