Com o advento da operação lava-jato e o aculturamento da nação no sentido de entender a importância social do combate à corrupção, muito tem se falado e escrito sobre Compliance.
Eu, particularmente, comecei a operar ferramentas de Compliance há 17 anos, quando essa terminologia sequer fazia parte das conversas no ambiente corporativo. De fato, já utilizávamos algumas ferramentas, apenas não dávamos a elas os nomes que são dados hoje.
De repente, surgiram especialistas e teóricos do Compliance por todos os lados. Muita coisa boa é produzida e disseminada, muitos conceitos extremamente relevantes e dignos de debates com grande chance de aproveitamento prático.
Entretanto, o que o mercado tem sentido falta é de profissionais experimentados, com conhecimento na área prática, que tenham vivido um Programa de Integridade do lado de dentro. Profissionais que conheçam os desafios, as atribuições e as barreiras enfrentadas pelo profissional de Compliance no seu ambiente de trabalho.
Como eu disse anteriormente, eu assisti o Compliance chegar há anos, graças a SOX (Sarbannes-Oaxley – 2001), que exigiu a partir de 2005 a implementação de requisitos de Compliance para empresas brasileiras que negociavam na bolsa de Nova Iorque (EUA), além da necessidade de adequação de multinacionais com unidades aqui no Brasil que acabaram precisando de mão de obra local. Assim na verdade nasceu o Compliance no Brasil, apesar de nos Estados Unidos existir o FCPA desde os anos 70, nós acabamos demorando para perceber os benefícios que essa matéria trás para o ambiente corporativo e consequentemente para a sociedade como um todo.
Com pouca orientação, ausência quase total de legislação pertinente, mas muita garra para ultrapassar barreiras e vencer desafios, eu vi grandes profissionais trabalharem desacreditados, sem recursos, sendo enxergados como algo que não deveria estar ali, algo que não agrega valor. Eu os vi vencer, eu os vi demonstrar que trabalhar comportamentos vale a pena e eu os vi demonstrar tecnicamente que o investimento em ética pode sim ter um retorno direto em desempenho.
Essa experiência, me fez enxergar, com apoio de mentores e orientação de profissionais muito experimentados com quem tive a oportunidade de trabalhar, que o Compliance na verdade é algo muito simples, mas com um grande nível de dificuldade para se por em prática… necessita resiliência e habilidades sociais que apenas um profissional muito preparado e experimentado consegue entregar.
De forma simplificada, pode-se definir que o desafio do Compliance Officer é apoiar a organização a percorrer, de forma segura, o “Caminho do Compliance” demonstrado abaixo:
Créditos: figura criada pelo Professor Marcos Turbay, sócio fundador da Compliance School e um dos pioneiros do Compliance no Brasil com mais de 30 anos de experiência aplicando ferramentas de Gestão da Ética.
Todo Programa de Integridade parte do pressuposto que Organizações e Líderes com Propósitos Éticos:
- Mapeiam, reconhecem e tratam seus riscos;
- Aderem às legislações, implantam Boas Práticas, valorizam e atualizam seus Códigos de Conduta com a finalidade de estabelecer parâmetros de Conformidade para adequar Comportamentos;
- Com esta base formada, eles comunicam, educam, inspiram e formam pessoas para que absorvam os parâmetros estabelecidos;
- Monitoram, investigam, avaliam e tratam Comportamentos para que estes se mantenham em Conformidade com a Legislação e Políticas Comportamentais da Organização.
Essas ações têm a finalidade de garantir a Integridade dos Registros, Processos e das Pessoas, consequentemente à contribuição e preservação da Reputação positiva e dos Resultados sustentáveis da companhia.
A manutenção da reputação positiva é algo vital para qualquer corporação, mantém a saúde do negócio e consequentemente garante a empregabilidade das pessoas que compõem essa organização.
Viu como o papel do Compliance é importante? Para todos? Para a sociedade?
Sim, acredito que o Compliance pode mudar o mundo. Acredito que essa onda de combate a corrupção pode ser aproveitada por profissionais comprometidos e capacitados, para que atuem como disseminadores dos conceitos fundamentais.
Mas para que isso aconteça, precisamos que a nova onda do Compliance seja composta por profissionais que buscam se capacitar e se aperfeiçoar, que busquem conhecer a prática do dia-a-dia do Compliance, precisamos de profissionais que conheçam os desafios, as responsabilidades e as barreiras que a atividade exige para que possam agregar ao mercado com soluções sólidas e pertinentes. Precisamos de pessoas que possam disseminar seu conhecimento para preparar cada vez mais multiplicadores do propósito ético, íntegro e sustentável que deve ser a linha mestra que vai conduzir toda a interação humana no futuro.
Na teoria, os conceitos de Compliance funcionam, fazem sentido e são aplicáveis. Mas como agir na posição de CCO (Chief Compliance Officer) quando atacado por um Diretor em uma reunião do Comitê de Ética? Como deve se posicionar quando receber pessoalmente um relato de assédio sexual no ambiente de trabalho? Ou quando um relatante pedir algum tipo de “benefício” para denunciar alguma irregularidade de grande impacto pela empresa? Como conseguir patrocínio para minha área? Porque meus colegas não sentam comigo no refeitório? Como fazer para não ser visto como alguém que quer prejudicar a todos? Como não engessar o processo da minha companhia e ainda assim trazer ela para o caminho da conformidade?
No papel, todos sabem responder essas perguntas, agora só sabe responder de fato quem teve que lidar com isso na vida real.
Eu acredito que as relações humanas serão transformadas, entendo meu papel nesse cenário e acordo todos os dias motivado a trocar meu conhecimento com o propósito de aperfeiçoar e ser aperfeiçoado. Com responsabilidade, coerência e muito trabalho. Entendo que o CCO pode se tornar uma profissão fundamental para a sociedade, apenas não podemos esquecer que nada substitui o aprendizado advindo da vivência e do esforço diário para superar as dificuldades, se partirmos dessa programação mental, podemos sim mudar nossa realidade.
Professor Eduardo Moura possui 17 anos de experiência na aplicação profissional prática de ferramentas de Gestão da Ética, foi Compliance Officer de grandes companhias e hoje oferece mentorias e ministra aulas na Compliance School.