Governança corporativa nas plataformas digitais: o caso do Oversight Board do Facebook

20 de abril de 2021

Governança corporativa nas plataformas digitais: o caso do Oversight Board do Facebook

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Muito se tem discutido sobre o novo Comitê de Supervisão do Facebook (do inglês “Oversight Board”), sobre quais seriam os motivos de sua instalação e quais as consequências decorrentes de sua atuação. Todavia, um ponto é incontestável: essa é a maior mudança em termos de governança corporativa no cyberspace dos últimos anos. Este artigo, portanto, tem como objetivo discorrer de forma sucinta sobre o que é o Comitê de Supervisão do Facebook e quais as principais discussões que o cercam.

O Comitê de Supervisão do Facebook, que teve as suas primeiras decisões publicadas no início deste ano, funciona como um tribunal de apelação com competência para rever as decisões do Facebook de manter ou bloquear fotos, vídeos ou posts escritos, publicados no Facebook ou no Instagram. Sendo assim, tem competência de revisão das publicações de aproximadamente 2,4 bilhões de usuários.

Em sua implantação, o Facebook tomou medidas que buscassem garantir a independência e autonomia do Comitê. Como exemplo, cito a criação de um Trust que recebeu o aporte de 130 milhões de dólares[1], para que este realize a “contratação” do Comitê de Supervisão e financie a sua estrutura administrativa, de modo que o Facebook não fique diretamente responsável pelo suporte financeiro do Comitê, o que poderia comprometer a independência de seu julgamento.

O Comitê conta, atualmente, com 19 membros de diferentes nacionalidades e com diferentes perfis que atuam como juízes, decidindo casos preliminarmente em painéis de 5 juízes, que então são submetidos ao plenário do Comitê. O número de membros poderá chegar a 40 e as indicações podem ser realizadas por qualquer pessoa no site do Comitê[2]. Cabendo a escolha dos novos membros ao Trust.

A instalação do Comitê de Supervisão do Facebook ocorre no momento em que as plataformas estão sendo duramente questionadas pela falta de transparência e accountability no exercício da moderação de conteúdo. Cito o caso Trump, ocorrido no início do ano, no qual o ex-presidente americano teve contas bloqueadas no Twitter, Facebook e Instagram.  Independente de posição ideológica, ficou evidente a omissão de parâmetros na atividade da moderação por parte das plataformas e a falta de publicidade aos usuários de regras claras sobre o que é permitido ou proibido nas publicações.

A atuação do Comitê, em certa medida, é endereçada a tais críticas: as decisões tomadas têm caráter vinculante e valor de precedente. Em outras palavras, as decisões do Comitê terão de ser acatadas e postas em prática pelo Facebook, e serão levadas em consideração nas novas “sentenças” do Comitê, o que sugere uma tendência padronizadora na tomada de decisão em relação à moderação de conteúdo.

Além disso, o Comitê tem a possibilidade de sugerir alterações nas políticas do grupo Facebook, o que, apesar de não possuir caráter vinculante, já obriga o Facebook a se debruçar sobre tais sugestões e o incumbe de um ônus argumentativo, uma vez que a recusa à realização de tais sugestões precisa ser justificada.

Com esses novos procedimentos, é possível perceber um aumento na transparência e accountability nas plataformas digitais, o que também traz à tona a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais (eficácia entre particulares), não apenas dos direitos usualmente relacionados à moderação de conteúdo, como a liberdade de expressão, mas também a eficácia horizontal de direitos fundamentais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa no exercício da moderação de conteúdo, o que será tratado em um próximo artigo em momento oportuno.

As atenções agora se voltam à recepção jurídica das decisões do Comitê pelos tribunais nacionais, já que muito provavelmente os cases discutidos no Comitê de Supervisão do Facebook também serão levados à apreciação judicial, uma vez que este se limita a decidir sobre manter uma publicação no ar ou retirá-la, sem discorrer, por exemplo, sobre a reparação dos danos gerados.

E, a depender dessa recepção, o Comitê poderá ser um sucesso e manter seu funcionamento, ou então, caso as decisões dos tribunais nacionais sejam em sentido oposto às suas, ter a sua credibilidade questionada e, inclusive, o seu funcionamento ameaçado. De qualquer forma, a iniciativa me parece muito interessante e merece a nossa atenção e estudo.

 

[1] KLONICK, Kate. The Facebook Oversight Board: Creating an Independent Institution to Adjudicate Online Free Expression. The Yale Law Journa, v. 129, n. 8, p. 2418-2499, 2020.

[2] Site do Comitê de Supervisão do Facebook: https://oversightboard.com/