Privacidade nas Eleições 2022 e a atuação conjunta da ANPD e do TSE

22 de março de 2022

Privacidade nas Eleições 2022 e a atuação conjunta da ANPD e do TSE

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O Processo Eleitoral brasileiro é pautado sobretudo nos pilares de democracia. No Brasil, observa-se a realidade de uma democracia chamada “Democracia Indireta”, pela qual o povo elege representantes que tomem as decisões relevantes para a sociedade em seu nome.

Dentre outros, alguns elementos são elencados como essenciais para se alcançar uma democracia moderna e representativa, são eles: funcionários eleitos; eleições livres, justas e frequentes; liberdade de expressão; fonte de informação diversificada; autonomia para associações e cidadania inclusiva.

Destacando o primeiro deles, sabe-se que os representantes do povo são ocupantes de mandados em cargos eletivos, e para que os cidadãos interessados em ocupar tais cargos possam concorrer às eleições é exigida uma série de condições elencadas pela própria Constituição Federal, em seu artigo 14, §3º, sendo: I) a nacionalidade brasileira; II) o plenos exercício dos direitos políticos; III) o alistamento eleitoral; IV) o domicílio eleitoral na circunscrição; V) a filiação partidária; e VI) a idade mínima.

Observando as condições pré-estabelecidas pela Constituição Federal e elencadas acima, é possível notar que para que se comprove perante a autoridade responsável pelo alistamento eleitoral o mero cumprimento de tais requisitos já é necessária a explanação de alguns dados pessoais, como por exemplo, a nacionalidade, o domicílio e a idade mínima.

No que tange à filiação partidária de candidatos no Brasil, etapa indispensável do processo eleitoral, observa-se, na maioria dos partidos, que a coleta dos dados necessários para filiação é feita através de formulários preenchidos em websites e conta com a solicitação de dados como gênero e etnia.

Ainda, a Lei dos Partidos Políticos (Lei Nº 9.096/95) determina, em seu artigo 19, que após deferimento interno do pedido de filiação de um cidadão a determinado partido político, o partido deverá inserir os dados do filiado no sistema eletrônico da Justiça Eleitoral, que automaticamente enviará os dados aos Juízes Eleitorais para seguimento dos demais trâmites.

Nessa descrição que aparenta um procedimento “simples” podem surgir inúmeros eventos de risco, caso não ocorra adequadamente o tratamento dos dados envolvidos na operação, isto porque a informação inicialmente obtida via website do partido político transitou para o sistema da Justiça Eleitoral, em seguida para os Juízes Eleitorais e, ainda, foi possivelmente publicada ou arquivada.

Além disso, importante ressaltar que desde 2008 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a implantar tecnologias de biometria na utilização das urnas eletrônicas com o objetivo de prevenir irregularidades no momento de escolha dos candidatos, dessa forma, o processo eleitoral passou a se utilizar de mais um dado classificado como dado sensível pela LGPD.

Seguindo as etapas do Processo Eleitoral, sabe-se que as campanhas eleitorais desenvolvem papel fundamental na escolha dos candidatos que venham a ocupar um cargo em mandado eletivo. As propagandas eleitorais são devidamente regulamentadas pela chamada “Lei das eleições” (Lei Nº 9504/97) e obedecem a algumas especificações, como por exemplo, dimensões estabelecidas para divulgação do nome do candidato e uso de sua imagem pessoal, ambos elementos que compõe as propagandas são considerados dados pessoais.

Isto posto, é possível notar que do Processo Eleitoral decorre uma série de tratamentos de dados pessoais e potenciais eventos de riscos relacionados à privacidade dos titulares de dados, sejam esses os eleitores ou os candidatos à eleição.

Diante deste cenário, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em conjunto com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), publicou no início desse ano o “Guia Orientativo Aplicação da Lei Geral de Dados Pessoais (LGPD) por agentes de tratamento no contexto eleitoral”. Visando garantir a privacidade dos titulares e a lisura do processo eleitoral, o documento traz uma série de especificações sobre a aplicação das normas de proteção de dados pessoais no contexto eleitoral.

Com relação ao tratamento de dados pessoais considerados sensíveis no contexto eleitoral, o documento traz orientação no sentido da obrigatoriedade de se observar as hipóteses legais dispostas no Art. 11 da LGPD, além da concomitante observação aos princípios da LGPD, tais como, finalidade, necessidade, adequação e transparência.
Um exemplo utilizado nesse sentido é a disponibilização de um aplicativo pelo partido político para uso de eleitores ou candidatos, que, com consentimento dos respectivos usuários, coletem dados básicos de identificação, biometria facial e localização. Esses dados ficam inseridos em bancos de dados e todo o seu processo de tratamento deve ser efetuado em conformidade com a LGPD.

Ainda, o Guia traz também uma noção geral daqueles que são considerados Agentes de Tratamento de dados no contexto eleitoral. Ao contrário do que muitos imaginam, os servidores do TSE, voluntários e mesários que exercem suas funções nos dias das eleições, não são considerados operadores de dados, isto porque a ANPD já firmou resolução no sentido de que não são considerados operadores os indivíduos subordinados, como os servidores públicos, já que atuam sob o poder diretivo do(a) agente de tratamento.

Logo, são considerados agentes de tratamento de dados no contexto eleitoral os partidos políticos, as coligações, os candidatos e candidatas, bem como as pessoas jurídicas envolvidas na realização de campanhas eleitorais que realizam tratamento de dados pessoais, casos em que o partido político atuará em controladoria conjunta dos dados com a empresa contratada.

Nesse exemplo de contratação, quando configurada, a responsabilidade dos controladores será solidária, corroborando novamente com a necessidade e importância de quem ambos estejam desenvolvendo o tratamento dos dados envolvidos em conformidade com a LGPD.

O que se espera da atuação conjunta entre a ANPD e o TSE em relação ao processo eleitoral no de 2022 é uma atividade orientativa, preventiva, fiscalizatória e, se necessário, sancionadora.

Certamente a ANPD deverá fiscalizar situações como o uso de base de dados estruturadas antes da vigência da LGPD, os bancos de dados cedidos por pessoas jurídicas de direito público, o envio de mensagem eletrônicas automáticas aos eleitores, o impulsionamento de mídias sociais, dentre outras inúmeras ocorrências possíveis quando se trata de privacidade no contexto político-eleitoral.

Ambas as autoridades envolvidas já demonstraram suas respectivas preocupações com relação ao cenário esperado para este ano, sendo o Guia orientativo publicado em conjunto uma forma de conscientização dos cidadãos, para que os titulares de dados estejam cientes dos seus direitos e os agentes de tratamento de dados observem o tratamento adequado previsto na LGPD, de modo a prevenir possíveis incidentes envolvendo a privacidade dos indivíduos.

Por fim, o processo fiscalizatório dessas eleições será de grande importância para as eleições futuras. Tendo como base no posicionamento adotado pela ANPD, em conjunto com o TSE, será possível saber o que esperar e como se adequar à LGPD para os próximos anos eleitorais.