Como decorrência do desenvolvimento tecnológico, houve um aumento exponencial na quantidade de dados coletados e armazenados pelas empresas. Isso porque os dados atualmente são fator fundamental para o processo de produção, logística, marketing e desenvolvimento das atividades econômicas, ainda mais quando falamos dos “smart products” e “smart services”.
E, sendo assim, a competitividade das empresas está cada vez mais relacionada à habilidade em tratar dados e inovar com base nesses, de modo que consigam realizar previsões mais acuradas e tomem melhores decisões no mercado.
Entretanto, o cenário que vemos hoje é de grande concentração nos mercados digitais, ou seja, poucas empresas concentrando um grande poder e, consequentemente, controle sobre os nossos dados (por exemplo, Facebook, Apple, Amazon). De modo que muitos autores começaram a enxergar os dados como uma possível barreira à entrada de novos players e uma importante fonte de poder de mercado.
Essa visão dos dados como ativos concorrencialmente relevantes tem gerado bastante preocupação por parte dos doutrinadores que se dedicam ao direito da concorrência (também chamado de antitruste) e, diante disso, têm sido levantadas algumas possibilidades para tentar mitigar esse cenário.
Uma das possibilidades aventadas seria através do exercício da portabilidade – direito do titular de dados, previsto na LGPD, de transferir seus dados de um fornecedor de produto ou serviço para outro. Com essa portabilidade, um maior número de empresas teria acesso aos dados já coletados do titular, e, portanto, não precisariam despender investimentos e esforços para determinar o “perfil” desse titular/consumidor, o que teria como resultado o estímulo da concorrência.
Isso é possível porque, conforme o direito à autodeterminação informativa, os dados pessoais pertencem ao titular e não a empresa que os coletou. Entretanto, pelo fato da portabilidade depender de solicitações individuais dos titulares e estar limitada aos dados coletados até o momento da solicitação (não é uma ação continuada), muitos autores defendem que essa solução não seria a mais eficiente em termos concorrenciais.
Uma outra possibilidade, portanto, seria da adoção da interoperabilidade através de regulação ou de decisões do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Para os que defendem essa abordagem, a interoperabilidade se difere da portabilidade porque seria um fluxo contínuo de dados de uma empresa dominante ou monopolista para os seus concorrentes, e, também, pelo fato de que seria mais abrangente – uma obrigação de compartilhamento imputada a uma empresa em relação a uma ampla base de dados, e não mediante solicitações individuais dos titulares.
Porém, é inevitável tratarmos de questões de privacidade quanto discutimos sobre dados. Isso porque há uma tensão inerente entre os temas: o objetivo da LGPD é dar controle do uso dos dados ao próprio titular, restringindo os fluxos de dados, a não ser mediante bases legais específicas e mediante exercício dos direitos do titular, e, por outro lado, a adoção de soluções concorrenciais ligadas a dados vai exatamente no sentido contrário, de maior promoção do fluxo de dados.
Sendo assim, se a escolha para minimizar a tendência de concentração nos mercados digitais for relacionada a dados, é preciso que estejamos atentos à forma como isso se dará e quais os impactos à privacidade dos titulares. Sendo essencial o debate sobre quais dados serão compartilhados, se esse compartilhamento se dará mediante consentimento ou outra base legal, e, ainda, a defesa da anonimização dos dados compartilhados.